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domingo, 28 de abril de 2013

Histórias da Mansão

Capítulo 19 - Um Marcante Reencontro











Após o rapaz entrar, seguido pela freira, guardar a freira e indicar a precária e suja poltrona defronte a um sofá, Ana Paula e Wagner se encaram. Ela se senta, ajeitando o véu sobre os cabelos e logo depois vira-se novamente para o filho. Wagner mantém os olhos vidrados e parece estar se contendo.

- Bom, eu não pude suportar estar longe de você.
- Nem eu. - diz o ex-faxineiro.

Ela parece sorrir discretamente.

- Porque você... não me fala o quê está sentindo? - sugere a religiosa, com ansiedade.
- Er... eu... - ele começa, abobalhado. - Eu acho que, eu estive pensando bastante... - prossegue Wagner, contendo as lágrimas. - E fiz um balanço geral de minha vida, sabe?
- Sei, sim. - ela responde, compreensiva.
- Cheguei num ponto em que, bem... - Wagner hesita. - Será que, hum... não vai achar estranho? - ele a encara, mas Ana Paula escuta a tudo impassível. - Bom... o negócio é que, não pelas necessidades, por má sorte ou pela falta de dinheiro... eu nunca fui feliz na minha vida, sabe?

Ana Paula vê tudo, penalizada. Wagner parece estar realmente à flor da pele.

- Eu não fui feliz na escola, na infância, no meu lar... - ele olha em volta. - Não tive um pai muito bom...
- Isso eu posso imaginar. - diz Ana Paula, sem conter a ironia e a raiva.
-... enfim - ele continua, como se não houvesse interrupção. - Eu sempre estive deslocado, à parte, na margem da minha vida, ou melhor, da vida da minha família. - Ele parece profundamente triste e inconsolável. - Eu nunca tive a chance de investir em mim, em pensar em mim. De ter uma namorada, de querer ter a minha família...
- Você sabia... - interrompe a freira, sutilmente. - Que eu também sempre vivi infeliz?

Wagner chora, e olha pra mãe com curiosidade e atenção.

- Eu fui forçada a crescer, a amadurecer e entrar numa vida que eu não queria e não estava pronta. Cedo demais... E, bem, quando eu perdi você... nunca consegui me perdoar, nunca tinha entendido. O espaço que você deixou, ou teria deixado em minha vida, nunca me deixou ser plenamente feliz. Procurei a felicidade ao tentar ter mais filhos, tentei segurar meu casamento... após isso tentei me entregar à Deus... - ela segura o rosário e passa a mão pelo véu. - mas, confesso-lhe que não tenho certeza se é o quê eu realmente quero, ou que me fará feliz.

Ela o encara, séria.

- E, agora, que eu o encontrei, após descobrir que você estava vivo... - ela sorri, levemente. - Eu acho que encontrei novamente um sentido, um propósito na minha vida. Que é: fazer você feliz. Não, não! - acrescenta ela, quando ele faz questão de argumentar.- Nem ia falar de dinheiro, querido, embora ele viria a calhar. - eles riem. - Mas eu ia falar da atenção que eu supus, e agora comprovei, que você nunca teve. - Ela conclui, simplesmente. - Eu quero ser a atenção que você nunca teve, acima de ser mãe. Eu te amo, filho.

Ana Paula debulha-se em lágrimas, após isso. Wagner não se contem, e chora também. Os dois avançam, receosos, e logo depois se abraçam.

- Eu também te amo mãe! Como pude ser tão cego...
- Ah,  com licença... - ouve-se uma voz vinda da porta.


- - - - -


Os dois se sobressaltam. Edmundo chega, fecha a porta, arrastando Raquel para dentro, consigo. Raquel passa para a cozinha, silenciosamente. Edmundo posta um pacote cuidadosamente numa mesinha bamba e vira-se para Ana Paula e o filho.

- Então, eu gostaria muito de falar com a senhora... - começa ele.
- Eu não tenho nada pra falar contigo! - grita Ana Paula, histérica.
- Espere, senhora, me escute! - diz Edmundo, segurando a mão dela.
- Me solta! Não tenho nada para escutar! - ela tenta se desvencilhar dele.
- Tem sim, você me deve alguma coisa! - grita o homem, num tom muito mais sério e ameaçador. 
- Parem vocês dois! - Wagner tenta se interpor mas é afastado pelo pai.
- O quê eu lhe devo, diga! - pergunta Ana Paula, histérica.
- Que tal... uns cinco milhões de reais daquela sua familiazinha ricaça?
- Como é? - Ana Paula se descontrola. Puxa o braço com força, se solta de Edmundo, mas logo retorna e senta um tapa na cara do mau caráter, que cambaleia.
- Mãe, calma! - Wagner começa, tentando acalmá-la.

Mas Ana Paula não parece ouvi-lo.

- Depois de vinte e um anos, de ter me engravidado, de ter tirado meu filho de mim - ela aponta brusca e seguidamente para Wagner. - depois de eu ter perdido a minha filha você me pede dinheiro, seu desgraçado infeliz?!

Ela retira o véu, furiosa, e o atira no chão.

- Eu nunca vou desistir do meu filho e não é você que vai me impedir! - ela grita, com bravura.
- É mesmo? - diz ele, ironizando. - Você não vai tirar o meu filho de mim de graça!
- Seu filho?! - ela avança sobre ele.
- MEU FILHO SIM! - e ele vira um tapa na cara da freira, que cai. Wagner tenta defender Ana Paula, mas Edmundo dá um soco na boca do estômago dele, que fica sem ar, e logo em seguida, o arrasta para fora de casa. Ouve-se um ruído de pneus cantando e Ana Paula, após correr para a porta, vê Edmundo levando Wagner de carro.


- - - - -


TRIIIM! TRIIM!

- Que saco, onde está esse celular... - resmungou Bernardo, saindo do escritório. - Achei... alô?
- Alô, querido?! Sou eu, sua tia!
- Oi, tia Ana Paula... tá dirigindo, tá bem? - ele indaga, preocupado.
- Ele pegou meu filho, Bernardo! Eu tô perseguindo o carro dele, estamos na BR! Em direção à Cabedelo!
- Quem? O pai dele? - Bernardo começa a correr para o carro. - Me diga, por onde vocês estão passando? Eu vou chamar a polícia, e seguir vocês!
- Saindo do Esplanada, depois das Três Lagoas! Se apressa, homem!
- Tudo bem tia, vou ligar, tô saindo agora! - Bernardo grita, entrando no carro. Logo depois, liga para o pai e pede que ele avise à polícia.

Longe dali, na rodovia federal...

Ana Paula, em seu carro vermelho, dirige efusivamente e quase emparelha com Edmundo, num carro cinza. Dentro do veículo, Wagner começa a recobrar os sentidos.

- Onde estou?... Ahn...
- Vai calando a boca, filhinho, senão morre aqui mesmo! - grita Edmundo, empunhando um pacote parto. Ele sacode o papel  e uma arma sai do pacote. Ele a empunha com uma mão enquanto dirige, e Wagner fica apreensivo.

- Pra onde cê tá me levando? - pergunta Wagner, passando pro banco da frente.
- Cala essa boca! Vou te levar pra um canto que você vai adorar! E só sairá de lá quando sua mamãe querida lhe pagar um resgate!

Ele se sobressalta logo em seguida. Um carro bate em sua traseira e os dois se viram rapidamente pra olhar o hatch vermelho que logo emparelha com eles, e Ana Paula aparece pela janela.

- Para esse carro e me dá meu filho, seu ordinário!
- Ah é? - grita Edmundo. - Vem pegar, sua azeda!

Wagner tenta alertar sua mãe só com o olhar, mas sem sucesso. Olhando pelo vidro de trás, vê o carro de Bernardo, um luxuoso sedã prateado, seguido por duas viaturas policiais. Num impulso, joga-se contra o pai e empurra o volante, jogando o carro acidentalmente contra o carro da mãe.

- Aaaaah! - ela guincha, freando.

Os carros colidem, mas Edmundo empurra o filho e retoma o controle da direção. Dá uma coronhada em Wagner, mas se assusta quando Ana Paula colide com o carro na lateral de Edmundo, "vingando-se". Furioso, Edmundo empunha a arma e aponta para fora do carro.

- Cuidado, mãe! - Wagner grita.


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POW!
POW!

Edmundo atira duas vezes, descontrolado. Felizmente um tiro passa de raspão pelo capô e outro atinge o vidro. Ana Paula freia levemente, mas já estão emparelhados novamente.

- Cuidado, tia! - Grita Bernardo, de seu carro, desesperado.

Edmundo avança e tenta atirar novamente contra Ana Paula, mas sempre errando o alvo. Uma viatura ultrapassa Bernardo e Ana Paula e um policial esgueira-se para fora do carro para atirar. Nesse momento, os carros estão chegando no alto de uma longa ladeira, que acaba junto à um rio.

- Ah, pensa que vai me pegar, imbecil?! - grita Edmundo, tresloucado, e atira contra o vidro, visando o policial. Wagner se abaixa, apavorado, e eles sentem um novo impacto da esquerda quando Ana Paula atira o carro contra eles.

- Não atira no meu filho, seu salafrário. - esbraveja a religiosa, fora de si.
- Vem pegar ele, sua freira de uma figa!

E ela vai. Joga o carro contra o de Edmundo, fazendo a roda traseira travar e Edmundo dá uma rabeada. Wagner puxa a direção para a esquerda e o carro perde o controle, virando. Ana Paula se desespera e se sobressalta, pois iria bater num ônibus que freou, à frente deles.

- NÃO!- grita ela, pouco antes de chocar-se com o ônibus.

As viatura freiam, bem como os vários outros carros e Bernardo, que dá um cavalo de pau para não colidir com a tia. Mas todos se viram à tempo de ver o veículo com Wagner e Edmundo capotar seguidas vezes. No escuro da noite que já vai começando a cair, eles vem um corpo saindo do carro e pouco depois explode, antes de cair no rio.

- NÃÃÃÃO!! - grita Ana Paula, lutando pra sair do carro.


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Com dores no pé e no ombro esquerdo, a freira manca até a beira da estrada, chorando, desolada. Os policiais e Bernardo correm até Ana Paula, e os oficiais tentam conter os ânimos da multidão, que se aproxima e se forma, junto da rodovia. Ana Paula se joga aos braços do sobrinho quando ele chega, chorando, mas logo depois dá um grito e sai correndo, como pode, para a beira do rio.

- Tia! Cuidado, o quê...?

Ele vê de onde estão alguns moradores da área junto à margem, circundando algo que parece ser o corpo de alguém. Ele avisa aos policiais que pode haver um sobrevivente, e corre para junto da tia.

- Filho? Filho? FILHO! É VOCÊ! Graças a deus! - ela se agacha, exasperada, e tenta tocar o rosto do filho. Fora os profusos cortes e o sangramento, Wagner parece ileso.
- Tia, não! Não toca nele...! - ele fica alertando a freira. Uma ambulância previamente chamada aparece, e logo os paramédicos recolhem Wagner para o hospital.

- O quê falaram, tia?
- Ele está apenas inconsciente, mas está bem... - ela tenta sorrir, mais tranquila, e aceita o abraço do sobrinho.

Longe dali, na mansão Oliveira...

-... sim, sim, entendi! - diz Patrícia, anotando os dados. - Certo, querida, estou indo agora pro hospital! Fique bem! - e ela desliga o telefone. Osvaldo levanta minimamente a cabeça para olhá-la.
- É aquela história do faxineiro novamente?
- O faxineiro é meu sobrinho, Osvaldo. - diz ela, irritada. - E você ouviu o quê Bernardo falou quando ligou desesperado da perseguição. O marginal do pai dele morreu... - ela diz, fazendo o sinal da cruz. - Menos um demônio, ainda bem.

Osvaldo dá um muxoxo de impaciência e volta as atenções pro jornal. Patrícia não se abala com a indiferença do marido e corre para a saída.

- Idiota... - repete ela várias vezes. - Nem a filha, nem a família, nem o novo sobrinho ele apóia...

No hospital...

- Bernardo, querido! Você está bem? - pergunta Patrícia ansiosa, examinado o sobrinho por alto. - Cadê sua tia?
- Está na porta do CTI, rezando... - comenta ele. - Já deu três voltas no rosário. Está tudo bem.

Os dois sorriem, e vão fazer companhia à outra mulher.

- Viu só? - diz Patrícia alegremente. - Eu disse que ia dar tudo certo!


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Um comentário:

  1. Meu patriotismo falou muito alto quando cita a BR em direção a Cabedelo, surto de felicidade quando ouço falar do meu estado, não é essas coisas todas mas amo D+++. Encontro emocionante de Ana e seu filho ,como sempre nada fácil pra ela que está sempre agarrada no rosário. Edmundo deveria ter sofrido mais monstros como ele a morte é pouco! Emoção a cada Capitulo!

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