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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Histórias da Mansão

Capítulo 4 - A Garrafada









Ana Paula correu até Wagner, que caíra no chão. O carro que o atropelara tinha saído correndo e Ana Paula fazia gestos indecorosos para o motorista.

- Filho da puta! Vai pro inferno! Ai, ai! - ela se agaixou ao lado de Wagner. - Cê tá bem, querido?
- Afasta, dona! Dá espaço! - diz o moreno, com lágrimas nos olhos.

Havia um corte na sua testa, superficial. O ombro estava muito vermelho e um enorme inchaço se formava no braço esquerdo. Wagner rilhava de dor e não escondia isso mais. Ana Paula o imobilizou quando ele tentou se levantar e puxou de dentro da bolsinha de contas seu celular.

- Freiras tem celular? - perguntou Wagner, abobalhado.
- Claro que sim, somos pessoas. - respondeu a loira, cética, discando quase distraída para o SAMU.

Uma hora depois, Wagner já estava tendo o braço engessado. Ana Paula, ao lado, segurava o rosário com força e rezava silenciosamente. Minutos depois, ela estava sentada num banquinho e o gesso estava pronto.

- Graças a Deus, está tudo bem. - disse Ana Paula, sorrindo.
- É... - concordou Wagner, sem graça.
- Pronto... - disse o emergencista. - Preciso que você assine isso aqui, é de praxe, só para a sua liberação...

Wagner fez uma careta.

- Ih... eu sou canhoto, e mal sinto a mão com a anestesia que me deu!
- Ah... - fez o emergencista. - Então... acho que sua mãe pode assinar, não é?
- Mãe, o quê...?

O médico indicou Ana Paula, que se distraíra ao olhar para uma garotinha com a testa enfaixada.

- Que mãe, moço? Não tá vendo que sou uma freira?
- Me perdoe! - corrigiu-se ele. - É que a senhora e o rapaz aqui se parecem bastante...

O quê era verdade, só agora Ana Paula reparara. A religiosa olhou Wagner de cima a baixo discretamente e repara os olhos parecidos, o tipo de cabelo, a mesma expressão serena. Ela então suspira e é sincera com o médico.

- Eu tive filhos, sim... mas faz tempo, foi antes de entrar para o convento. E o senhor Wagner aqui não é meu filho, embora eu tenha perdido dois, um ao nascer e outra... bem... à pouco.

Ela fica sem graça por ter falado demais e se senta, de lado. Wagner nota e disfarça.

- Acho que posso carimbar com o polegar direito, não é?
- Ah... sim, é! - responde o emergencista, satisfeito. - Aqui... tenho tinta.

Mas Wagner e Ana Paula se entreolham, por um instante, até que ele se vira e deixa a loira pensativa.


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Na mansão Oliveira, Luana e Paulo estão no terraço sentados, ela lendo uma revista e ele trabalhando no computador. Arthur, o jardineiro, passa ao longe e ela manda um discreto beijinho.

- Ah, eu tenho que pegar esse...
- Pegar o quê, amor? - pergunta Paulo.
- Ah... esse par de sapatos, meu querido! - diz ela mostrando o anúncio de uma loja na revista. - Olhe só... que coisa... mais linda... ah, olá querida!

Ela se levanta e abraça Ana Paula, que havia chegado. Um pouco afastado, está Wagner, tímido.

- Oi, vocês... eu preciso apresentar uma pessoa. - ela faz um gesto para Wagner se aproximar. - Esse é o Wagner... ele sofreu um pequeno acidente por minha causa e eu vou abrigá-lo na casa dos funcionários. Ele vai trabalhar de faxineiro quando melhorar.
- Oi, boa tarde! - disse Paulo, educado. Luana limitou-se a dar uma bela olhada.
- Se importam de mostrar o caminho pra ele? Marquei com a Patrícia de realizar um trabalho numa creche e tô atrasada... até mais! Tchau, Wagner, eu volto mais tarde...
Ele murmurrou um "tchá" e virou-se, sem jeito, para os outros dois. Paulo levou Wagner para a casa dos empregados e foi para a empresa. Luana passou pelo bar, ao pé da escada, olhando do marido para a casa dos empregados, e fez pose segurando no corrimão.

Ela não viu o filho, Vítor, que estava escondido atrás do bar com uma garrafa de whisky aberta e os fones no ouvido. Luana suspirou e o filho ficou atento.
- Ah... como eu quero pegar esse daí todinho... tenho dois!

"Que vagabunda!" pensou Vítor. "E ainda é minha mãe, essa vadia! Acabou com meu momento de paz!"

Ele se levantou e agarrou uma garrafa de gim, sem que ela percebesse.

- Quero todos! - falou Luana sozinha. - Vou subir e...
 - Puta desgraçada, cala a boca! - falou Vítor, forçando uma voz aguda.

E espatifou a garrafa na cabeça da mãe, que gritou.


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Vítor correu, abaixado, até o corredor escuro, oposto à porta da entrada, de onde Paulo entrou, após ouvir o grito da mulher.

- Meu Deus! Outro crime! Socorro! - ele grita. Vítor acha melhor esperar um pouco mais, e aparece uma das arrumadeiras. - Aqui! Traga esse pano, precisamos estancar o sangramento! Vou avisar os outros, e chamar uma ambulância! Cadê meu filho?!
- Não o vi, s-senhor! - disse a arrumadeira, nervosa.
- Tô aqui, pai! Que foi? - disse Vítor, entrando e fingindo. Logo após, vê a mãe e finge desespero. - Que droga é esta?! A minha mãe? Ela caiu?
- Parece que sim, senhor! - disse a arrumadeira.
- Mas e esse vidro? Isso... é uma garrafa, sua idiota! - gritou Paulo, desesperado. - Isso é crime! Vou ligar para a ambulância!

Em instantes, a ambulância chega. Ronaldo, André, Leonora e Bernardo chegam à mansão, e assistem a cena. Paulo se debate e chora, e Vítor finge dor ao fazer cena para acompanhar a mãe na ambulância.

Wagner se aproxima para olhar Luana sendo levada, e está para perguntar para a arrumadeira o quê aconteceu com a patroa quando uma mão forte puxa o rapaz e leva para dentro da estufa. Para seu espanto, Wagner se vê frente a frente com Arthur, o rosto furioso e contorcido de raiva.

- Que... diabos vocês está fazendo aqui?! Veio acabar com o meu emprego? Veio espalhar seu azar pra cima desta casa?
- Que cê tá falando, cara? - queixa-se Wagner. - Eu vim parar aqui por acaso, nem sabia que a dona Ana Paula morava aqui!
- Que conversinha fiada é essa de "dona Ana Paula"?
- Está tudo bem por aqui?

Ronaldo chegara, após ouvir os gritos de Arthur, que se calara no ato.

- Está, patrão. Esse é meu irmão, por coincidência.
- Ah... o rapaz que a Ana Paula trouxe... Prazer, rapaz. Mas porque os gritos?
- Er... - começa Wagner.
- Nada demais, seu Ronaldo. - responde Arthur, sério. - Garanto que podemos resolver sozinhos.

E, após acenar para Ronaldo, Arthur sai, com Wagner nos seus calcanhares.


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Depois de mundo dramatizar, após meia hora de fingimento, Vítor sobe para o quarto e bate a porta, rindo, quase sem fôlego. Mas se assusta com a presença de Danilo, que está estarrecido e a espera do primo.

- Nossa, seu idiota! Me assustou! - reclama.
- Você que me assustou, seu doido! - fala Danilo, com uma expressão sombria. - Como você teve coragem de dar uma garrafada na sua mãe, seu louco?
- Eu te falei que ela era a próxima, não? - diz Vítor, extremamente lógico. - Pô, a vagaba tava lá, suspirando pelo faxineiro novo e acabou com meu momento de serenidade, ouvindo minha musiquinha e tomando meu Red... Ah, eu tinha que fazer alguma coisa!

Danilo fica sem reação, chocado.

- Você é louco... - diz ele depois, abismado.
 - Ah, vai amarelar agora, medroso? - pergunta Vítor, ameaçador.
- Nada disso! Você está agindo feito louco, só falei isso! - Danilo se defende.
- Vamo parar, tá certo?! - Vítor se irrita, e parece ainda mais ameaçador. Danilo se cala. Hesita, mas vai embora.

- Esse cara tá me cheirando à amarelão... - resmunga Vítor, indo para o banheiro.

Longe dali, no hospital Meija...

Paulo está aflitíssimo. Sem notícias de sua bela e amada mulher, ele anda de um lado ao outro da sala de esperas, e esbarra duas vezes em uma senhora gordinha de meia idade que estava prostrada no extremo de seu percusso. Apenas meia hora depois o doutor Meija aparece no corredor. Paulo o vê e se precipita para o homem, que se assusta.

- Acaba com a minha aflição, Meija! - diz ele, um tanto tresloucado. - O quê foi que houve com a minha mulher?

Meija respira fundo e afasta Paulo de si.

- Claro que está bem, Paulo. A dona Luana sofreu apenas algumas escoriações, apenas um corte no couro cabeludo foi um pouco mais difícil de fechar, havia alguns cacos de vidro. Ela levou pontos ali, no pescoço e no lábio inferior.
- No l-lábio!? - esganiçou-se Paulo.
- Sim, no lábio. - repetiu Meija com um tanto de desdém. - Com licença...


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Já a noite, Wagner se retirou para a casa dos empregados. Tomara banho, tinha botado as roupas e estava assistindo televisão quando Arthur chegou. Ainda estava com as roupas de trabalho, suado e sujo de terra. Parecia que havia golpeado a terra com fúria e essa fúria ainda estampava seu rosto.

O jardinheiro limpou a terra das roupas e tirou a camisa, jogando-a aos pés de Wagner.

- Ei, que é isso? - reclamou o mais novo.
- Cale a boca! Você não tem vez aqui! - vociferou Arthur, zangado. - Eu não entrei aqui por caridade, tive que ralar muito por isso.
- Eu não pedi por isso, Arthur! - gritou Wagner em resposta. - Mas eu preciso desse empregou tanto quanto você! Não é você que fala que a gente precisa sustentar a mãe e o pai?

Arthur ergue Wagner pelos ombros, e o mais novo geme de dor.

- Ai! Tá me machucando, idiota!
- É pra você aprender! Comigo não se brinca! Mantenha-se longe do meu trabalho! Saia daqui! Quero você longe de mim!

Ele empurrou Wagner no sofá, que gemeu de dor novamente e ficou com os olhos marejados.

- Ah... e outra coisa... - ele deu um sorriso irônico agora. - Não chegue perto de dona Luana. Ela é minha!

Wagner parece espantado, mas mantém-se no nível do irmão.

- Eu bem que a achei com cara de vagabunda.
 - Vagabunda, é? - Arthur se ira. - Não fala assim da mulher que eu amo!
E ele corre e soca o rosto de Wagner, que cai no chão, com dores e se debatendo. Pouco depois, Arthur passa a mão na cabeça e vai para o banheiro.



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Um comentário:

  1. Nesse capitulo os órgãos de saúde se encontraram muito aflitos, esse Vitor se mostra cada vez mais marginal, sem amor pela própria mãe. É bonito ver a superação de Ana Paula, mesmo diante de tantos obstáculos.

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