Capítulo 9 - Sem Palavras
Luana fica completamente desnorteada com a informação e tenta segurar o marido, que se esquiva.
- Não... não, meu maridinho, você só deve estar de zuação pro meu lado!
- Nada disso! - ruge Paulinho, cético. - Você não se cansa de enfeitar a minha testa, e agora até com empregados!
Wagner fica irritado, mas resolve aproveitar a distração dos dois e sai. Paulinho parece sem chão. Se senta à mesinha de ferro da estufa e fica de cabeça baixa.
- Eu nunca te deixei faltar nada, sua danada! Lhe dou uma perfeita vida de madame, faço o possível e o impossível pra isso... - ele baixa a voz. - e você fica se oferecendo pra cada homem que aparece, Luana!
- Meu amor, a carne é fraca, principalmente a minha! - ela tenta se justificar, desesperada. - E você tem saído muito pra resolver suas... transações extra-oficiais!
Paulinho se levanta, furioso.
- E agora a culpa é minha? O fato d'eu não ter tempo é sua justificativa para sair se esfregando com cada macho que aparece, é?
- E a minha beleza também, querido... - Luana dá uma piscadela. - Você deve cuidar melhor da minha beleza.
Ele faz um gesto de tempo para ela.
- Já chega. Vou sair agora atrás dos papéis do divórcio. Vou manter isso em segredo por enquanto, para o seu bem, ou melhor, pra o bem da sua beleza. - Ele faz questão de enaltecer a última palavra com frieza. - Te vejo mais tarde.
Ele sai, em direção às garagens. Luana, porém, fica furiosa.
- Ah, é? Seu corno imbecil! Você vai ver se eu vou assinar algum divórcio!
Longe dali...
Bernardo chega com Ana Paula ao hospital Meija. Falam com a recepcionista e vão ao encontro da responsável pelos papéis de registro.
- Ai, Deus... cada dia que se passa depois disso eu fico mais angustiada. - queixa-se a madre, ansiosa com seu famoso rosário à mão.
- Não fique assim. Tenho esperança que o seu filho está ligado àquele casal.
- Aquele homem! - grita Ana Paula, furiosa, chamando a atenção de todos no corredor. - Eu me segurei bastante para não correr na hora em que ele apareceu.
- Ele mete medo mesmo. - comenta Bernardo baixinho.
- Agora eu vou até o fim... e obrigada por me ajudar, filho.
Bernardo dá apenas uma piscadela para a tia.
- - - - -
Pouco depois, uma enfermeira e o doutor Meija estão em uma saleta com Bernardo e Ana Paula, os dois procurando os arquivos dos registrados há vinte e um anos atrás.
- Nadinha... aqui temos os nomes de todos. - comenta Meija, desolado. - Mas eu me lembro exatamente de todas as características do seu filho, Ana Paula, e podemos procurar por elas.
- É... pequeno, 43 centímetros, dois quilos e duzentos, moreno com cabelos castanho claros. - cita a enfermeira. - Não é, doutor Meija? Não foi isso que ficou repetindo.
- Sim, sim... aqui, um bateu... - ele separa o cartão e volta a vasculhar. - Não era muito parecido com você, lembrava mais o rosto, pequeno e afilado. - repara Meija.
- Parecia com... - Bernardo baixa a voz uma oitava e se vira para a tia. - ... o pai dele.
Ana Paula se vira, indignada para Bernardo, que se encolhe.
- É... infelizmente você tem razão.
- Aqui... temos dois... - a enfermeira separa os cartões, em mau estado de conservação, e põe em cima de uma mesinha. - Um é Tadeu Jesuíno de Castro... e o outro tá mais mal-cuidado, só consigo ler "de Almeida" no final do nome. Mas as características batem.
Ana Paula se levanta, radiante.
- Muito obrigada, Meija! Senhora! - ela sorri e vai puxando Bernardo, que segura os cartões e mal pode se despedir.
Ao chegar em casa, Bernardo está cansado e vai tirando o casaco, deitando-se no sofá, de olhos fechados. Jéssica desce as escadas apressada, colocando um brinco na orelha esquerda.
- Ah, não não não! - começa ela, ao ver o marido. - Não pense em descanso, você vai comigo agora para a reunião de pais e mestres na escola das meninas!
- Ah, meu amor, acabei de chegar, estou cansado. - ele se senta, de cara amarrada. - Não tem como você ir sozinha?
- Claro que não! Você me prometeu que iria, Bernardo, e você tem que participar disso tudo, da educação, e saber o quê as meninas...
- Eu estou cansado, Jéssica! - ele se levanta e alteia a voz, calando a mulher. - Caramba, você é a psicóloga da casa, pode muito bem ir...
- Ah, agora vamos dividir tudo por função, é isso? - ironiza Jéssica. - E você vai ser o quê? O motorista das duas?
- PAREM!
Os dois se calam e viram para o topo da escada. Alice, filha caçula deles, foi quem gritou. Carol chega atrás da irmãzinha e parece igualmente triste. Bernardo tenta avançar mas Jéssica é mais rápida, apanha as meninas e as leva para a porta, pegando a bolsa no caminho.
- Vamos, meus amores... papai tá cansado e vai ficar em casa.
- - - - -
Dia seguinte. Danilo vai à um shopping resolver umas pendências, e acaba topando com Samanta numa "esquina".
- Opa! É você! - repara a menina, sorrindo.
- Ah, oi... - responde Danilo, não muito entusiasmado.
- Tá saindo? - pergunta ela.
- Sim... vou me encontrar com o Vítor na mansão...
- Ele nunca mais me ligou... - ela comenta, intrigada. - Será... que eu poderia ir contigo?
- Comigo, como assim? - ele estranha.
- Eu gostaria de, sei lá, fazer uma surpresa! - ela parece entusiasmada. - Me quebra esse galho, cara!
Danilo parece pensar duas vezes, mas assente e faz um gesto para Samanta seguí-lo.
Naquele instante, na mansão Oliveira...
Vítor vê seu primo Henrique chegar e falar com o pai, Ronaldo, que está na lateral da mansão, perto da piscina. Rilhando de raiva, não pensa duas vezes em agir contra ele.
- Sua tia Patrícia tá lá dentro... e André também, ele queria falar contigo, vai lá.
- Certo, pai... até mais! - responde o universitário, indo para a entrada lateral da mansão.
Vítor desce correndo as escadas e vai até a entrada lateral de encontro ao primo, que abre a porta.
- Oi, Vítor.
- OPA! - grita Vítor do último degrau, dando um impulso e derrubando o outro.
Henrique grita de dor ao ser atingido por Vítor bem no peito, e acaba caindo para trás, para a piscina. Ronaldo se sobressalta quando o filho bate com a cabeça na escada da piscina. Vítor dá um sorriso cínico, escondido de Ronaldo, e se estatela no chão, simulando.
- Vítor! Que porcaria foi essa! O meu filho... - Ronaldo começa, correndo para o local.
- Eu escorreguei, tio! - responde Vítor, cheio de certeza na voz e verificando se arranhou alguma parte do corpo. - E... olhe, ele está bem.
Ele olha desapontado para Henrique, que emerge, cuspindo água e uma mão na cabeça, com uma careta de dor.
- Ai... que recepção. - e dá uma risadinha.
- Deixe disso, pirralho! - responde Ronaldo com tom de riso. - Anda, vem aqui... deixa ver se você se machucou.
"Claro que não, ele está perfeito! Droga!", pensa Vítor furioso. Ele se levanta e vê Danilo chegando, com Samanta atrás dele.
- Ah, agora sim... - comenta ele, sorrindo.
- - - - -
Vítor e Samanta logo se juntam e deixam Danilo novamente de vela, e no momento em que começaram um amasso sem pudor algum na estufa, o estudante resolveu sair dali, irritado, e topou com a mãe, que estava de saída.
- Oi, querido. Parece irritado. - comenta a freira.
- Ah... não é nada, é só o Vítor, que tá se pegando com uma metidinha...
- Ah, metidinha feito ele? - caçoa a loira, com um sorriso. - Realmente, meu filho, cada um... pega quem merece, não é mesmo? Você há de achar alguém legal pra você, eu tenho certeza.
Ela sorri, deixando Danilo sozinho e desolado, e vai de encontro à Bernardo, que está nos portões da mansão, ao lado do carro.
- Ah, estou ansiosíssima desde que o Meija ligou falando da tal enfeirmeira...
- Enfermeira? - pergunta Bernardo.
- Sim. Ele me ligou dizendo que a tal enfermeira, chamada Mércia, queria falar sobre o caso mas fez boca de siri, e disse que só falava comigo.
- Vamos logo, então. - diz o arquiteto, já entrando no carro.
Longe dali...
Jéssica bate na porta de uma casinha modesta e bonita. Alguns segundos depois, sua irmã, Priscila. Bem parecida com a irmã, parece preocupada.
- Que é isso, maninha... você aqui, de surpresa, sem nem ligar... o quê houve?
- Eu tô precisando de apoio, mana... posso entrar?
- Claro, claro, entra! - responde Priscila, com a expressão preocupada.
A porta é fechada e Priscila se vira para a irmã, que anda até o aquário de Priscila.
- Diz, Jé, o quê foi?
A psicóloga se senta, esfrega os olhos e se vira para a irmã.
- Eu tô pensando seriamente em pedir o divórico, Pri.
Priscila se espanta e leva as mãos à boca. Jéssica se irrita com a reação exagerada da irmã e amarra a cara.
- Mas... assim, do nada, Jéssica?
- Ah... o meu casamento tá tão frio... tão parado. O Bernardo é muito solto, viajado, não para nunca em casa. É um bom pai, mas parece ser só um entretenimento para as meninas. E também... tem sido muito frio e distante comigo.
- Mas isso não é caso para divóricio imediato, Jéssica! Você é psicóloga, você deveria estar no controle da situação.
- E é fácil assim? - ironiza a morena, com um sorrisinho afetado. - Nada disso... disse a ele que ia viajar para um congresso... e vou passar essa semana aqui, certo?
Priscila parece relutante, mas compreende a irmã e faz que sim com a cabeça.
- - - - -
Bernardo entra em casa, irritado, falando ao celular.
- Sim, tia... esse negócio de congresso da Jéssica tava fora dos meus planos. Não... tá tudo bem entre nós... - ele revira os olhos. - Certo. Quero que você fale com a tal Mércia quando ele chegar e me diga depois. Tenho que fazer o almoço, não quero que as meninas fiquem sem comida! Tchau.
Ele descansa o telefone na mesa de jantar, joga o casaco no sofá e tira a camisa. Abre as portas de vidro da sala, por causa do calor, e vai para a cozinha, fazer o almoço. Não se passa nem um minuto quando ouve-se a campainha e Bernardo, irritado, vai abrir a porta e a abre sem cerimônia.
É Juliana, que sorri, maliciosa.
- Hum, já assim? - ela olha de relance para o corpo do arquiteto.
- Está calor... - ele responde, nervoso.
- É claro... - ela entra, e fecha a porta. - Interrompo?
- Eu estou fazendo almoço pras meninas. - ele tenta impedi-la de avançar pelo apartamento.
- Que prendado, hum... - ela aproveita da proximidade com Bernardo e passa a mão pelo tórax dele.
Bernardo a segura com força e faz menção de empurrá-la, mas a segura com firmeza e a pressiona contra a parede, beijando-a com ferocidade. Juliana retribui, mas logo o solta.
- Aqui não...! Ora... - ela o leva então, para a cozinha, e se senta sobre a mesa de mármore escuro. - Aqui. - diz, já abrindo os botões da camisa. Os dois se beijam e fazem amor.
Longe dali, no hospital de Meija...
Ana Paula aguarda impaciente, e bate o pé repetidamente no chão. Instantes depois, o doutor Meija entra, acompanhado de uma mulher de meia-idade, com os cabelos cacheados presos e com várias mechas brancas. Seus olhos grandes e bondosos batem em Ana Paula e estranham o hábito da loira.
- A senhora... não mudou quase nada.
- Lembra de mim? Que ótimo! - Ana Paula sorri.
- Vamos ao que interessa. - diz Meija, objetivo. - Trouxe a Mércia aqui para que ela lhe conte a história...
- Quero contar apenas à ela. Se não se importa. - responde Mércia de imediato, fazendo Meija ficar irritado. O médico sai, e Mércia se senta ao lado da freira.
- Olha, não é nada bonito o quê vou lhe contar... mas eu peço seu perdão por ter levado tanto tempo para falar isso.
- Esqueça. Você me deu um sopro de esperança ao saber que meu filho está vivo.
- Então... vou contar. Tudo começou quando aquele homem...
E ela lhe fala. Fala do tal estuprador, que ele apareceu naquele dia no hospital, que lhe espancou quando ela estava com Augusto nos braços, que a ameaçou de morte se não mentisse e lhe desse o bebê.
- Ele lhe disse algo? - pergunta Ana Paula, incisiva.
- Disse que era um presente para a esposa. - responde Mércia. - Me disse que fosse com ele registrar o menino...
- Qual o nome?! - pergunta a freira, histérica.
- Não me lembro! Juro que não! Mas sei o sobrenome dele...
- É, eu também... - comenta Ana Paula, penalizada.
-... e sei onde foi registrado. - completa Mércia.
A freira se levanta, enérgica, e com uma expressão sagaz no rosto.
- Me leve até lá. Vamos agora.
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