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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Curtas : "Os 22, ou Quase"




Os 22, ou Quase





"Não pode ser...", pensou Daniel. Não podia ser verdade.

- Ah, filho... que pena. - disse a mãe.
- Eu falei... você precisava de um cursinho! - trovejou o pai, triunfante.
Daniel apenas ergueu uma mão para ele, calando-o. Pegou a carteira, chamou um táxi e ficou esperando, encostado no muro da casa. O portão aberto deixava passar alguns fragmentos de conversa dos pais.

- Ele já tem dezenove anos!
- Ele só é meio retraído.
- Não o proteja, mulher!
- Estou apenas fazendo justiça pro lado dele! - exclamou a mulher.
- Estou avisando, vou cortar a mesada dele... e o cartão de crédito!
- Ele não merece isso, querido!
- Merece sim! Só assim tomará um rumo na vida!

Cansado dessas briguinhas, Daniel deu graças à Deus quando o táxi chegou. A mãe ainda tentou gritar uma despedida, mas o garoto fez que não ouviu e entrou no táxi.

- Não acredito! - disse Laís, confidente de Daniel.
- Pois é! - respondeu ele, indignado. - Eu não passei!
- Ai, lindo, que pena! - disse ela, fazendo um carinho no ombro do amigo. - Tenta se animar.
- Você acha que é fácil? Eu tô espumando de raiva...
- Escuta, você tá precisando de uma balada. O Henry, aquele filho de franceses, ficou caidinho por você na festinha de sábado...
- Não tô afim de nenhum cara hoje...
- Então você pega a Larissa, que tá...
- Não tô afim de pegar ninguém! Eu sou capaz de matar qualquer um infeliz que olhar torto pra mim na rua!

Laís se assusta, mas dá uma gargalhada.

- Porque você não mata as pessoas que ficaram na sua frente na lista de espera?

Daniel olha, com interesse, pra amiga.

- Não é que você fala alguma coisa que presta? Taí, ótima ideia...

Ele corre para o laptop da amiga, ligado em cima de cama, e entra no site do vestibular.

- Espera aí, o quê você tá pensando em fazer?
- O quê você me sugeriu, querida... - ele dá uma piscadela pra Laís.

- - -

Daniel corre, cansado, e sorrindo, até o portão do prédio de Laís. Passa pelo porteiro que já o conhece, chama o elevador e, quando chega ao andar dela, toca sem parar a campainha. Mal se passam dez segundos e a garota abre.

- Que aconteceu, louco?
- Foi o décimo nono! Esse era bonito demais... chega deu pena!
- O que...! CALA A BOCA! - grita Laís, puxando o amigo pra dentro de casa e trancando a porta.

Daniel ri, como se estivesse em êxtase. Cai no sofá e dá gargalhadas. Laís fica com medo do amigo.

- O quê você fez?
- Ah... você nem tem ideia.
- E nem quero ter! Você tá cumprindo o quê prometeu?
- Claro... e esse último... ainda deu pra dar uma aproveitada!
- Como assim?
- Na última hora, descobrir que gostava da fruta... e aproveitei e joguei fora!

Laís lança um olhar doentio para Daniel, que parece eufórico e entusiasmado com o quê fez.

- Você tá me dando medo...
- Porque eu faria isso? Você não tá na lista de espera do meu curso, tá?
- NÃO! Nem me mete nessa!
- Senão seria... BUM! - ele aponta uma "arma" com o indicador e o polegar, e cai na gargalhada. - Ei... quer saber como é que foi?
- Não precisa...
- Foi legal... a gente se pegou na casa dele... aí depois, eu já tinha sacado onde era a cozinha, eu fui lá dizendo que ia tomar água e quando voltei, caí com uma faca em cima dele! Acho que o colchão ficou todo manchado... vão ter um trabalho pra limpar. - disse ele fazendo cara de preocupação.

Laís faz cara de nojo e, cheia de repugnância, tira Daniel do sofá, que fica assustado.

- Que foi?
- Sai. Sai da minha casa, agora! E só volta aqui quando se curar!

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- Meu filho... que cheiro é esse?
- Eu apenas tá suado.
- Que mancha é essa no seu casaco? Você caiu?
- Não... - diz ele, notando a mancha marrom-avermelhada no peitoral do casaco. - É apenas suor...
- Filho, você se cortou? Isso é mancha de sangue... e sangue seco, velho... você se machucou por esses dias?
- Não, mãe! Já disse...
- Daniel, volta aqui, eu preciso... eu preciso conversar... perguntar uma coisa!
- Perguntar o quê, mãe?

A mãe parecia amedrontada.

- É... verdade o quê a Laís falou pra mim?
- O quê... O quê cê tá falando, mãe?
- Ela me falou hoje, agorinha, no telefone, e...

Daniel avança contra a mãe, aterrorizado.

- Não, mãe! Ninguém pode saber!

Ele tapa a boca da mãe, que se assusta e arregala os olhos,

- Como você foi capaz, espere até seu pai saber...

Ela pega o telefone, mas Daniel grita e a empurra, e ela cai sobre o centro de mesa.

- NÃO! Ninguém pode saber! E você não vai falar pra ninguém! Não vai!

Daniel apanha uma das almofadas e empurra contra o rosto da mãe, que estava caída ao chão. Ela se debate, tenta arranhar o filho e tirá-lo de cima de si à qualquer custo. As suas forças cessam e seus braços desmontam junto ao tronco.

Daniel esboça uma reação de tristeza, com um misto de pânico, mas tudo não passa de um lapso. "É meu curso", ele pensa. "E eu preciso cursar isso. É meu sonho.".

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- Daniel, é você?
- Pois é. E adivinha, minha mãe foi a vigésima... - diz ele, já se trancando com Laís no apartamento. -  E você terá que ser a vigésima primeira.


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