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quarta-feira, 1 de junho de 2011

8 ou 80


Capítulo 1 - Memórias, Verdades e Segredos





- Não! Não vou pra esse centro espírita com você!
- Ah, é? E ainda quer que eu compareça à todos os seus seminários, é?
- Não é nada assim, eu não concor...
- Quem disse que eu gosto de física?

A discussão de Laila e Tiago tomava o corredor; os dois andavam à uma certa distância um do outro, e esbarravam em outras pessoas à medida que avançavam.

- AI!
- Que foi, amor, se machucou?
- Ah, agora eu já sou seu amor, é?

Os dois se abraçaram do nada e, sorrindo, trocaram beijos.

- Não acredito que já tem um ano que a gente tá assim.
- É, amor, minha casa astral do amor está em...
- Lá vem você com essas baboseiras astrais...
- AH, não começa não, seu chato!

E os dois continuam andando pelo corredor, chamando a atenção, e vociferando coisas um pro outro. No fim do corredor, estão Siri e Tatá, colegas de curso de Laila, que tentam apartar a discussão. Tiago respira fundo, mas vira o rosto e vai embora. Tatá estala os dedos várias vezes, em torno do rosto de Laila, e a ruiva respira fundo, de olhos fechados.

- Sinto muita vibração ruim ao seu redor, querida. - disse Tatá fechando os olhos, num gesto teatral. Siri olhou em volta.
- Deve ser seu mapa astral.
- Pois é! Vou para minha casa, ver se me acalmo... ainda tenho duas consultas de tarô hoje... beijos, queridos!

Os outros dois acenam para ela, que vai para casa. Laila encontra a mãe, Márcia. A mãe parece tensa, tem várias páginas de jornal estendidas sobre a mesa e bebe um café preto e forte. Laila pousa a bolsa no aparador e dá um beijo na mãe, que sorri levemente.

- E então, mãe, como estamos?
- Mal, minha filha... - Márcia passa a mão na testa e retira os óculos, para limpá-los. - mas liguei para um escritório novo, vou visitá-los amanhã. Tão precisando de um advogado pra um caso, e se eu fizer um bom trabalho já é alguma coisa...
- Você vai fazer um bom trabalho, mãe. - diz Laila, carinhosamente. - Vou garantir. Vou fazer uma consulta aos astros quando anoitecer para saber das respostas.

Márcia dá um muxoxo e, balançando a cabeça, volta-se para o jornal.

- Ai, ai... e onde será que está sua tia Melina, que disse que iria me trazer o endereço desse escritório?

- - -

Um ônibus para, em frente à praia do Cabo Branco, e vários aluninhos de quarta série descem animados em direção à areia, seguidos de uma professora de educação física, que tenta controlá-los, e uma bonita professora que faz seis marmanjos virarem a cabeça para olhá-la. Alta, branca, os cabelos presos negligentemente, deixando escapar mechas aqui e ali. Usava um par de óculos escuros aviador, e sorria para as crianças. 

- Anda, gente, segue a tia Cláudia... - ela aponta para a professora de educação física, que agurpa os alunos para começar uns exercícios. A diretora segue Melina, que se senta, debaixo de uma sombra.

- São uns amores esses seus alunos, Melina.
 - Faço o meu melhor, dona Rute...
- E o quê eles vão apresentar na feira das artes mês que vem?
- Ah, os pequenininhos estão montando um arranjo de flores, tem cada um mais bonito que o outro...
- É incrível como os aluninhos gostam de você, Melina... 
- Ah, que é isso, dona Rute... é apenas o meu trabalho.

Rute sorri, e batendo de leve no ormbro dela, volta ao ônibus para pegar umas anotações. Melina sorri e vira-se para olhar os alunos. Discretamente, abre um botão de sua camisa, que está apertada, por sinal. Ao lado do local onde os aluninhos brincam, agora, de barra bandeira, existe uma rede de vôlei, onde uns rapazes jogam. Um deles, de sunga branca, chamou a atenção de Melina, que tirou os óculos para vê-lo melhor.

Igualmente alto, moreno, quase negro. Tinha os cabelos castanhos que caiam sobre seus olhos. Melina não escondeu o interesse e, percebendo que o jogo havia se encerrado, dirigiu-se para um coqueiro que ficava ao lado de um chuveiro, próximo à um bar, e de lá finge olhar os alunos.

O rapaz se aproxima do chuveiro para tomar uma ducha e, surpreendido pelo jato forte, acaba molhando Melina, que finge estar surpresa. O sutiã de Melina fica bem marcado debaixo da blusa branca e ela quase sorri.

- Moça, desculpa, mil perdões! - diz Otávio, desligando o chuveiro e evitando sorrir.
- Não, não tem problema... eu tenho um casaco no ônibus...
- Ah... desculpa mesmo, eu que sou desastrado...
- Desastrado... e joga muito bem.
- Ah... - ele sorri, encabulado. - Er... obrigado.
- De nada... meu nome é Otávio. - diz ele, secando a mão numa toalha e estendendo para ela.
- Eu aceitaria primeiro a toalha... - ela sorri, fazendo charme.

Ela se seca, fazendo charme, e ele não consegue não olhar. Ela devolve a toalha e aí sim aperta a mão dele.

- Prazer. Melina.
- O prazer é meu, Melina.

De longe ela vê os alunos formando o grupo para ir embora. Vasculha um bolso e tira um cartão, com o nome do colégio. Acha uma caneta no bolso e risca o número do colégio, escrevendo o dela.

- Você é professora?
- Sim.
- Todas as professoras nesse colégio são bonitas?
- Essa foi boa... bem, pelo menos, eu e a tia Cláudia ali... - ela aponta pra professora de educação física, que está guiando os alunos pro ônibus.
- Eu... prefiro você.
- Olha! E você nem me conhece...
- Posso conhecer agora.

Ela dá um sorriso e sai, apenas se vira e diz "Me liga, Otávio", e vai para o ônibus, recolocando os óculos. Otávio balança a cabeça e sorri.

- Eu devo estar sonhando.

- - -

Perto do anoitecer, chove. Alice corre para o carro, escorregando nos panfletos molhados que jazem esquecidos na calçada. Os panfletos do meu desfile, pensa ela, indignada. Entra no carro e pega o telefone, liga para a mãe, caixa de mensagens.

- Droga! Mãe, atende, você não vai acreditar, aquele idiota do Marcel cancelou o desfile de novo, mãe! Você tem que fazer alguma coisa! Não pode ser que nem no balé, mãe! Mãe? Atende esse celular! Aargh!

Ela desliga e joga o celular no console do carro. Dá a partida e sai à toda velocidade. A chuva é densa e os congestionamentos são frequentes. A raiva de Alice só piora. Quando, uma hora depois, chega em casa, vê um carro de polícia junto à garagem, com uma mala simples do lado.

Estranhando a situação, Alice para seu carro, e dá de cara com a empregada de sua casa, Cleide, com uma cara aterrorizada. A empregada chora muito e Alice fica nervosa.

- Ai, que foi, Cleidinha, que é isso tudo?
- Oh, menina. Menina, aconteceu... uma...
- Uma o quê? Fala direito, mulher!
- Uma tragédia, menina!

Alice respira fundo, mas dá uma risadinha e zomba da empregada.

- Tragédia? Claro que aconteceu uma tragédia! Aquele filho da mãe do Marcel cancelou o des...
- Seus pais morreram, menina!

Alice congela no meio da frase.

- Como é, Cleide? Repete!
- Seus pais sofreram um acidente voltando de Carapibus, eles estavam na ombra da casa de vocês, lembra?
- Como assim, Cleide? FALA A VERDADE!
- O carro do seu pai foi esmagado por um caminhão que vinha, minha filha! Eles morreram na hora! E tem mais...

Alice debulha-se em lágrimas, escorrega e cai no chão. Cleide tenta ajudá-la, e se ajoelha do lado de Alice. Uns policiais saem da casa e ficam observando a cena. Cleide olha pros dois com cautela e volta-se para Alice.

- Os policiais vieram para impedir que você entrasse na casa, menina... disseram que o doutor Jordano...
- Que tem o Jordano? - Alice de repente volta à si.
- O doutor Jordano sumiu! E parece que tirou tudo de você, menina!

Alice arregala os olhos, espantada. Levanta-se de um salto, e tenta invadir a própria casa, mas é impedida pelos policiais.

- Sai, me solta! Me solta! Eu não vou ser posta pra fora desse jeito! Sai!
- Senhora, não crie escândalo!
- Menina, cuidado! - grita Cleide.
- Levem essa garota detida, agora!
- Não, não! Presa, NÃO! - Alice se debate. - Tudo bem, TUDO BEM, eu paro! Mas não me leva presa, não!

Os policias param e voltam atrás, largando Alice perto do carro dela.

- Sua casa foi interditada pelo proprietário, senhorita. Ele tem uma ordem judicial impedindo que você entre na residência.
- Mas essa é a minha casa! Eu não posso entrar na minha casa?
- Não é mais sua casa, menina! - diz Cleide. - Anda, deixa ela ir, moço.
- O quê? Cleide...
- Eu fiz uma malinha para a senhora... ali... - ela vai apanhá-la. - É melhor você se acalmar, menina. Venha, eu vou lhe abrigar lá em casa...

Alice, incrédula, perplexa e em choque, é conduzida de volta a seu carro. Cleide põe a mala no banco de trás e volta-se para Alice, que está lívida e encostada no veículo.
- Você consegue dirigir, menina?
- Toma, Cleide. - ela lhe estende a mão e passa a chave do carro. - Só não invente de me roubar também.
- Nunca, menina... - diz Cleide, chorando. As duas entram no carro e partem dali, debaixo daquela tempestade.

- O quê vai ser de mim agora, Cleide? - Pergunta Alice, num tom baixo mas desesperado.
- Você vai ter que aprender a viver, menina.

Alice olha em volta para as casas e vizinhos que estão na rua, e suspira.

- Eu não mereço isso.

- - - 

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