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quarta-feira, 22 de junho de 2011

8 ou 80

Capítulo 8 - Perigos





Os gritos histéricos de Márcia no dia anterior continuavam martelando na cabeça de Melina, durante aquela manhã, no colégio. Apoiada numa cerca, durante o intervalo, ela acenou para uns aluninhos que estavam indo pra aula de educação física e não notou o rapaz moreno com uns amigos passando por trás dela. Caio não tirou os olhos do corpo da professora e levou um tapa da nuca do colega Nestor, fazendo os outros dois cair na risada.

- Que foi, besta?
- Besta é você, olhando pra professora...
- Tenho culpa se ela é gostosa?
- Ô, idiota, cê acha que ela vai dar bola prum pirralho feito você?

Caio deu um cascudo em Nestor e os dois ficaram nessa. Os colegas empurravam um contra o outro.

- Pelo menos eu sou bonito, e vc que é espinhento?
- Sai dessa, Caio!

Os dois continuaram nessa. Após alguns instantes, Caio foi ao banheiro e na volta, vendo que os amigos se afastaram, resolve se aproximar de Melina, que estava com a mesma expressão.

- Oi, professora.

Melina se vira, indiferente.

- Ah, oi... Caio, né?
- É, professora. Tudo bem com a senhora?
- Sim, não precisa se preocupar...
- Eu gostei muito da decoração do São João, acho que vai ser legal amanhã...
- Obrigada, Caio. Divirta-se na quadrilha.
- Você vai vir pro São João?

Melina sorriu levemente.

- Eu venho, prometi ajudar os aluninhos...
- Que ótimo, sobra tempo pra dançar quadrilha comigo?

Melina ergue a sobrancelha. Caio fica sorrindo.

- Talvez sobre.

Ela nota os olhares do jardineiro, Evaldo, do outro lado do jardim. O jardineiro passa as mãos nas partes íntimas e faz um gesto com a cabeça, chamando a professora.

- Bom querido... agora eu tenho que resolver umas coisas. Vá atrás dos seus amiguinhos e seja um bom aluno, tá bom?
- Tá certo. - diz Caio, sem antes criar coragem e sapecar um beijo na bochecha da professora, atraindo olhares de umas meninas em volta.

Melina fica indiferente ao carinho do garoto e cruza furtivamente o jardim, onde Evaldo a espera, com as chaves do pequeno depósito à mão. Melina deixa cair uma das pastas que segura, pra o jardineiro pegar para ela.

- E então, quem era aquele pirralho?
- Só um pirralho, meu querido.
- Aluno seu?
- Não, não dou aula pra ele já tem uns cinco anos... mas ele sempre vive no meu pé.
- Ele reconhece o valor da mercadoria... - disse Evaldo com um olhar malicioso.

Melina dá uma risadinha e vai empurrando logo o jardineiro.

- Vamo logo, tive um dia chato ontem e vou descontar tudo em você...
- Ah, é?
- É, seu gostoso... anda, quero seu corpo sobre o meu...

Ela dá um aperto no braço do jardineiro e eles entram no depósito, aos risos.


- - -


Laila ligou para Tiago naquele dia, sem saber o quê fazer pra ajudar a mãe. Se encontraram na praia, entre uns coqueiros. Laila chorava, triste com a situação.

- Eu nunca disse que tinha gostado dele...
- Não é culpa sua, Laila.
- Ele nunca me cheirou a coisa boa.
- Sim, mas e sua mãe?
- Tá lá, triste. Ligou até pro trabalho dizendo que não podia ir.
- Você acha que ela vai largar o emprego?

Laila ficou pensativa depois dessa.

- Não... ela batalhou tanto por esse emprego, ficou tanto tempo procurando por um... não sei.
- Mas, assim, não fica triste. Não pode pegar as dores de sua mãe.
- Sim, mas os chacras...!

Ela para ao perceber o olhar de Tiago.

- O... ânimo dela tá lá embaixo, e isso me afeta, Tiago. Sinto que devo ajudá-la.
- Sim... mas no momento, acho que o quê você deve fazer é deixar quieto. Deixe ela só, ele é sua mãe e tem idade suficiente para resolver isso tudo.
- Tá certo...

Ela se encosta num coqueiro num instante, e Tiago fica olhando pra ela. Ela repara.

- Que foi?
- Nada... só pensando.
- Pensando em que? - pergunta ela, tentando sorrir.
- Eu... eu ia te perguntar uma coisa.
- Pode falar. - diz ela, sorrindo.
- Você... tem planos pro São João?

Laila se espantou.

- Não, nunca gostei muito de São João...
- Quer... passar uns dias comigo em Carapibus?

Laila sorriu, surpresa. Tiago começou a ficar nervoso e coçar a orelha esquerda.

- Vou pensar... Até quando posso responder?
- Até amanhã.
- Então eu respondo que "sim" logo agora.

Ela dá uma risadinha, e dá um abraço no namorado, agora que estão fazendo as pazes.


- - -

Alice chega em casa tarde. Animadinha, tinha saído com Ricardo e foi apresentada à irmã dele, Renata, que concordou em encaixá-la nas modelos para tirar fotos de moda praia. Chegou animada, derrubou sem querer uma mesinha onde havia o telefone. Colocou a mesinha no lugar e tomou um susto logo em seguida.

Cleide vinha da cozinha, um copo de café à mão. Alice leva as mãos ao coração.

- Ai, Cleide! Que susto, nem te vi ai!
- Desculpe.
- Ai, tô tão feliz, Cleidinha!
- É mesmo?
- Sim, o Ricardinho, meu querido, falou com a irmã dele e eu vou fotografar modelos de praia, Cleide!
- Isso justifica você chegar bêbada e derrubando tudo, às três da madrugada?

Alice bambeia um pouco.

- Ah, relaxa, Cleide, o Ricardo que me trouxe, eu vim de ca-rro. C.A.R.R.O!
- Sim, aposto que os dois embriagados.
- Ah, ele bebeu só um pouquinho, Cleide, vai encher o saco de outro!

Cleide fica espantada com o tratamento.

- Que saco, eu não posso chegar um minuto atrasada, não posso ter meus amigos! Porra, Cleide, vai te catar, eu preciso voltar a ser feliz!
- E você diz isso pra mim, na minha casa?

Alice bambeia e cai no sofá. Cleide dá a volta e encara a menina.

- Você precisa aprender a ser menos ingrata, menina! Eu cuidei de você por vinte anos, e você me responde um "vai te catar" ? Eu quero apenas o seu bem, lhe cedo a minha casa e você fica me fazendo de besta, achando que isso aqui é a casa da mãe Joana?
- Aaaah, que saco, Cleide, eu tô bêbada, deixa eu tomar um banho!

Alice tenta se levantar e tropeça no centrinho de mesa, caindo logo depois. Cleide vai ajudá-la e percebe que a menina está chorando. Agaixa-se do lado dela e a consola.

- Eu sei que é duro o quê você passou, sei que não é fácil pra você ser faxineira... mas eu estou lhe oferecendo o meu melhor, e eu preciso de sua compreensão, menina. Não me obrigue a... a botar você pra fora dessa casa.

Alice olha com medo para Cleide.

- Você faria isso?
- Se você virasse um estorvo, sim. Você tem que me respeitar e respeitar minha casa. Por mais doloroso que seja pra você ouvir isso, a dona da casa agora sou eu. Quem manda aqui sou eu. Quem tem que reclamar se algo tá ruim sou eu, Alice.
- Me... me desculpe, Cleide. Eu...
- Tudo bem, menina. Eu sei que não falou por mal.

Alice consegue se sentar. Cleide se levanta.

- Agora eu vou dar as ordens, Ok?
- Tá bom.
- De pé.

Alice se levanta e bambeia um pouco.

- Vai tomar um banho, certo?
- Tá bom, Cleide.
- Você vai dormir e amanhã me conta as novidades, tudo bem?
- Tô indo, Cleide, boa noite.
- Boa noite, menina.

Alice apanha sua bolsa e vai, cambaleando e cantarolando para si mesma, vacilante, para o banheiro. Bate a porta com um pouco de força, e Cleide balança a cabeça, triste.

- Tenho tanta pena dessa menina... tomara que ela consiga se reerguer.


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