Capítulo 5 - Choques de Realidade
Márcia e Otávio riam; estavam saindo do prédio da Wallace & Teixeira, em direção ao estacionamento ao lado. Ele, sem graça, aponta pro carro de segunda mão que conseguiu comprar.
- O primeiro carro, é? É bom quando você paga o seu primeiro...
- É, tô feliz. Topa uma voltinha?
Márcia sorri, mas ela aponta pro próprio carro.
- Ah... então topa me seguir até um barzinho?
- Hum... ar, topo. - diz ela, por fim.
Após trocas de olhares, ambos se dirigem até um simpático bar na orla. Márcia parece levemente incomodada, e Otávio não para de olhá-la.
- Que foi? Tá com torcicolo e não consegue virar a cabeça? - brinca ela.
- Não, tô só olhando...
- Seu olhar é do tipo que quer algo a mais.
Otávio se espanta levemente, mas sorri.
- Então, foi mal, não queria incomodar...
Ela se aproxima um pouco.
- Você me perguntou se tava incomodando?
- Não.
- É bom ser notada as vezes. Estava apenas mal acostumada.
- Então vou lhe acostumar. - diz Otávio sorrindo.
Se aproxima, tira uma mecha de cabelo perto do olho dela e dá um leve beijo em Márcia, que se assusta. Ela põe a mão no ombro dele enquanto se beijam e, confusa, pede licença e vai ao banheiro. Lá, liga para a irmã.
- Alô, irmãzinha.
- Melina, me ajuda...
- Que foi, mulher?
- Um rapaz do trabalho tá me cantando e me beijou, tô num barzinho com ele.
- Ah... pensei que fosse algo de verdade.
- Melina, não tira sarro!
Ouve-se a risadinha da professora do outro lado da linha.
- Enfim, o quê tem ele pra você estar tão preocupada?
- Não sei se eu posso... a Laila...
- Você não é casada, tem uma filha adulta e não deve nada à ela. - diz Melina, direta.
- Nossa... não sei.
- Quer um conselho? Se jogue, como o pessoal diz. Curta um pouco, você merece alguém tanto quando eu e a sua filha... ele é bonito?
- Nem imagina quanto...
Melina solta um suspiro e Márcia aguarda.
- Márcia, deixa de caretice. Seu marido morreu faz tempo, você não merece ficar sozinha. Vou desligar, beijo...
- Melina, espera...
O "tú,tú,tú,tú..." do outro lado da linha fez a advogada se irritar. Márcia respirou fundo e, abrindo a porta do banheiro, disse pra si mesma:
- Se joga, Márcia, se joga... você merece...
- - -
Tiago escovava os dentes para o almoço, e, ao sair pelo corredor, dá um encontrão com a mãe, que vinha da malhação à todo vapor; ficava pulando no mesmo lugar, com os joelhos altos.
- Opa, desculpa filho! Estou à mil hoje!
- É, percebi...
- Já estou indo almoçar...
Ela percebe o olhar distante e chateado do filho.
- Tiaguinho, querido, diz pra mamãe... que foi?
- Nada, mãe...
- Nada disso, eu estou vendo a sua expressão. Que foi que houve?
- A... Laila.
- Ah... - a mãe dele pôs pra fora todo o seu desagrado naquele suspiro. - Meu querido, quantas vezes eu já disse que ela não é a mulher certa pra você?
- Várias, mas...
- Onde você esbarrou com ela pela primeira vez? Numa Marcha da Maconha!
- E daí?
- E dái?! Olha com quem você tá se metendo, meu filho? Já te disse, ela não foi feita pra você e vocês não combinam nem um pouco!
Tiago fica farto disso tudo. Começa a coçar a orelha esquerda com muita rapidez e sai do corredor. A mãe vai atrás.
- Meu filho, desculpa se fui dura demais... mas...
- Mas o quê?
- Mas é a verdade. - Ela é enfática. - Você mesmo me disse, não conseguem nem organizar uma viagem!
- Isso... isso não quer dizer nada!
- Quer sim! Deixe de teimosia.
A coçeira na orelha de Tiago aumenta e ele se irrita. Mexendo sem parar nos óculos, ele sai pela sala e procura o celular e a chave do carro.
- Onde você vai, Tiago?
Ele não responde, e disca o número da namorada.
- Alô? Amor, preciso te ver... tá bom.
Ele desliga o telefone e sai, deixando a mãe perplexa.
- Essa menina tá fazendo uma lavagem cerebral no meu filho! - diz ela, pra si mesma.
- - -
Ricardo acaba de dispensar a sua última turma. Já é noite. Está bebendo um gole de vinho, da tradicional refeição após a classe, quando ouve umas batidinhas na porta. Abre, e dá de cara com Alexandre, com uma cara triste.
- Professor... Ricardo. Posso conversar contigo?
- Pode... pode, claro. Entra.
Ele dá espaço para Alexandre entrar, com um pequeno sorriso no rosto, supondo o quê aconteceu.
- Que cara é essa, Ale? Tá triste?
- A... Martinha, acabou comigo.
Ricardo tenta fazer cara de aflição.
- Eu fiquei chateado com o quê ela disse.
- E o quê ela disse?
Alexandre parece se envergonhar.
- Continua achando que eu perco tempo com o curso de culinária. Diz que é...
- Diz que é o quê, Alexandre?
- Diz... que é coisa de bicha.
- Bem... - Ricardo quase sorri. - Não é por isso que eu sou.
- Eu... já sabia.
- E eu deixo de ser menos homem por causa disso?
Alexandre olha Ricardo de cima a baixo.
- Não.
- Pois é... e se você fosse, isso não seria problema.
Ricardo o encara, de frente à Alexandre. Ele se estica na direção do aluno, que não tira os olhos do professor, mas Ricardo se debruça sobre ele pra apanhar um prato na bancada logo atrás e logo se volta. Vai até a pia e começa a lavá-lo.
- Você quer sair pra gente ir conversar? Tipo, um barzinho.
- Pode ser...
- Relaxa... - diz Ricardo, com um sorriso no canto da boca. - Você tá... tenso.
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