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quarta-feira, 8 de junho de 2011

8 ou 80


Capítulo 4 - Tudo se Complica





Alice chega, exausta, da casa de Márcia e Laila. Após tomar um banho de chuva e pegar um ônibus lotado onde quase foi assaltada, ela bate a porta da casa de Cleide, que se assusta. Joga a bolsa em cima da mesa, fazendo a sopa da empregada respingar e cai no sofá.

- Tô morta!
 - Sim, mas não é assim que se faz...
- Ah, que se dane, Cleide! Eu tive um dia triste hoje!
- É mesmo? O quê demais, menina?
- Eu tive até que lavar privada hoje, Cleide!
- Foi?
- Foi! E tomei banho de chuva na volta, depois de passar mais de uma hora naquele ônibus xexelento! Tô cheirando pior que um saco de bosta, Cleide! E ainda teve assalto dentro do ônibus e o filho da mãe tava do meu lado! Eu não nasci pra isso, Cleide!
 - Mas é a sua situação atual, menina...
- Que se dane, eu quero a minha vida de volta!

Cleide se levanta, dá a volta na mesa e senta no sofá. Tenta pegar as mão de Alice, mas é repelida pela mesma.

- Menina, escuta. Isso que você está vivendo é a minha vida, de todos os dias, há mais de vinte anos. Sempre morei aqui, sempre trabalhei de faxineira, infelizmente nunca casei, mas eu nunca corri atrás de outra vida. Eu sei que a sua vida não é essa, e que infelizmente você não tem mais nenhum parente vivo, mas vocês precisa se conformar que a vida puxou o seu tapete, minha querida...
- Eu não quero essa vida!
- E não vai ter, menina. É só você correr atrás.

Cleide sorri. Alice não se conforma tão fácil e se levanta, apanha a bolsa e já vai saindo.

- Vou dar uma volta!
- Espera, menina, tem o seu jantar...
- Depois eu esquento, Cleide! Que saco! - e bate a porta.
- Ela disse que esquenta? - se perguntou Cleide. - Ela realmente está mudando.

A faxineira sorri e volta para o seu jantar.

Pouco depois, molhada e no frio, circulando perto da BR, Alice está quase arrependida do que fez e falou.A chuva ameaça cair com toda força, e ela já pensa em voltar pra casa de Cleide. Vê que terá que atravessar a rodovia movimentada, espera a melhor hora e corre um lado. Atravessa o canteiro, e espera a oportunidade de atravessar a outra mão. Corre quando consegue, mas a sua bolsa cai quase no fim do caminho e ela se inclina para apanhá-la. Já está de pé quando um carro, saindo desavisado da praia do Jacaré, não consegue frear a tempo e acaba atropelando Alice. A menina cai e rola, mas para sentada.

Um rapaz alto e forte salta quase que imediatamente do carro. Coça a cabeça e vai até Alice, que, ao constatar que não se machucou, já se levanta.

- Era só o que me faltava, ser atropelada...
- Moça, você tá bem? - pergunta Ricardo, com cara de preocupação.
- Tô, tô... quer dizer... - ela dá uma olhada melhor em Ricardo e no seu carro. - Se você me deixar em casa eu fico bem melhor.

Ricardo dá uma risadinha.

- Saquei que você é das minhas, colega... entra aí, eu ajudo.

Alice contou toda a sua história, durante o percusso, pra Ricardo, que fica injuriado.

- Esse salafrário... quem é?
- Jordano Amaral, antigo advogado do meu pai, um filho da mãe que eu ainda vou botar as minhas unhas na cara...

Ele para na frente da casa de Cleide, um bairro pobre porém tranquilo.

- Muito obrigada...
- De nada, querida, eu tô te devendo uma... liga pra mim quando quiser bater um papo. - e ele lhe entrega um papel. - Mas, você sacou, né, o máximo que você tira de mim é um papo.

Alice sorri, e dá tchauzinho pro novo amigo.

- - -

Wallace chega em casa, estranhamente na hora do almoço, no dia seguinte,  e Fiona se espanta.

- Oi querido...
- Eita, te barraram no seu próprio escritório, foi? - solta Ricardo, em direção à porta.
- Deixe de gracinha. Fiona, reúna todas as empregadas, faxineiras, diaristas, o escambal!
- Que foi, querido?
- Meu celular, o blackberry prateado sumiu faz dois três dias e eu não consegui achá-lo ainda!
- Não precisa desse alarde to...
- Você não trabalha na minha empresa pra dizer se eu posso fazer alarde ou não! Todos os meus compromissos estavam anotados naquele celular! CHAMA AS EMPREGADAS!
- Fui eu quem pegou o celular.

Wallace para de falar, abobalhado. Ricardo finge uma cara de espanto e, sorrindo, fecha a porta, ao sair.

- Você? VOCÊ? Você tá tentando dar um golpe na minha empresa? Você tá me chamando de idiota?
- Não, querido.
- Então por que diabos você escondeu meu telefone?
- Pra ver o quanto você suporta.

Wallace dá risada, tresloucado.
- E desde quando estou te pagando pra ser minha psicóloga?
- Eu sou sua esposa!
- E agora a gente faz análise durante o casamento? Não tenho tempo pra essas frescurinhas, Fiona, tenho duas contas importantíssimas pra fechar e uma filial pra abrir!
- Você poderia olhar melhor para mim!
- Mas eu já não lhe dou tudo? Eu já não trabalho quase doze horas por dia pra lhe dar roupa, comida, shopping, academia, salão de beleza, e sua mesadinha pra você gastar com bobeira?
- Não é isso, Wallace...
- Devo lhe lembrar que eu trabalhei a minha vida toda pra chegar onde cheguei, que eu sou praticamente a única fonte de renda dessa casa pra dar dinheiro na mão dos filhos ingratos que você criou?
- PARA COM ISSO, WALLACE!

O publicitário se espanta, nunca tinha visto a esposa daquele jeito.

- Eu te dou a droga do telefone!
- Ótimo, agora, rápido, porque eu preciso ligar pra minha secretária pra confirmar a reunião com o grupo de Campina Grande...

Fiona olha para Wallace, acabada, com uma cara de completo desdém. Vai até a sala de estar, onde está repousando sua bolsa, tira o celular prateado do bolso interno e joga-o na mesa, em direção ao marido. O celular desliza até ele, que ainda está repassando mentalmente os compromissos. Só depois, quando Fiona já voltou a comer, calada, é que Wallace se dá conta da presença do telefone à sua frente.

- Ah, ótimo, meu celular! - ele apanha o aparelho, apanha a pasta e já dá meia-volta, já fazendo uma ligação. - Preciso correr... esse trânsito tá uma droga...

E, ao falar isso, ele sai. Fiona deixa escapar uma lágrima que é rapidamente seca. Sacode a cabeça para o alto e descansa os talheres no prato.

- Matilde, vem cá.

Uma empregada se arrasta até a sala de jantar.

- Pois não, dona Fiona.
- Faz uma mala com as roupas que eu mais uso, por favor. E o mais rápido que você puder.
- Vai viajar, dona Fiona?
- Não, Matilde, eu vou embora.

Matilde arregala os olhos, mas apenas acena com a cabeça e sai da sala de jantar sem falar nada. Fiona passa uma mensagem de texto para o filho e volta a almoçar, tranquilamente.

- - -

Tiago está caminhando, na universidade, apressado para sua aula, quando percebe que Laila, Tatá e Siri estão no caminho. Ele faz cara feia.

- Oi, amor!
- Oi Laila. Eu tô apressado agora...
- Deixa eu falar contigo, amor...
- Não, agora não dá.
- Tiago, me escuta! - diz Laila alto. Todos no corredor olham para ela.

Tiago para, com cara de desdém.

- Eu não vou insistir mais pra gente ir pro camping, certo?
- Ah... - Tiago faz uma cara de alívio. - Pensei que fosse algo mais sério.
- Não, a gente pode ir passar o nosso aniversário de namoro onde você quiser!
- Sério? Ótimo! Uns amigos meus vão prum seminário que vai ter em Recife, no fim de semana, sobre todos os segredos de Einstein, acho que seria uma boa pra nossa viagem, que tal?

Laila faz cara de indignação.

- Como assim? Eu deixo você escolher o destino da nossa viagem e você quer ir prum seminário com uns amigos?
- Ué, você disse que eu podia resolver, então...

Laila contorce a cara de fúria e Siri e Tatá já percebem que o clima vai pesar.

- Escuta aqui, seu nerdzinho de quinta categoria, você acha que isso é a definição de passeio romântico, é?
- Ô, calma aí, sua polaca bicho-grilo! - revida Tiago. - Você quer que eu vá prum camping cheio de, de... mosquitos e, formigas e essas coisas...
- Nós vamos pra um lugar cheio de natureza, paz e harmonia...
- Nós não! Você! Eu não vou pra essa droga de camping!
- E eu não vou de jeito nenhum para seminário de Einstein!
- Então, eu vou sozinho...
- Tá bom! Vai, vai achar alguma pernanbucana nerd que goste tanto de física que nem você, seu leso! - ela grita pro namorado. - Mas eu acho difícil, aguentar você e esses seus tiques nervosos!
- Que tem meus tiques nervosos?! - exclamou Tiago fazendo um deles, o de coçar o olho esquerdo.
- Taí! Tá vendo que já ficou irritadinho? Nada como um passeio no camping...
- NÃO COMEÇA COM ESSE CAMPING! - grita Tiago, saindo dali.

Laila fica irritada e dá vários pulinhos no mesmo lugar. Siri ajeitou os óculos que lhe deram sobrenome, e Tatá segurou a amiga pelos ombros.

- Calma, não deves ficar assim...
- Ele me deixa maluca! 
- Mas, calma, Laila, é só questão de paciência...
- Paciência, com esse cabeça dura? Por favor!
- Calma, Laila - fala Siri. - Os chacras, lembre deles, respire...

Laila para, respira fundo, erguendo as mãos... mas logo se irrita e sai andando, deixando os dois amigos aturdidos.

- Aaaaai, não dá! Tia Melina, cadê você aqui agora pra me ajudar!?

- - -

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